outro

27/08/2014

Este livro foi escrito sob a ótica de que escrever tem a ver com aquilo que a gente sabe sem saber ainda. Estes textos expressam o que eu jamais diria não fosse escrevê-los. Talvez por isso me causem certo espanto. A cada vez uma nova diversidade, uma revelação súbita, a cada vez um outro.

olhos

27/08/2014

A gente tem mania de achar que somos nós quem estabelecemos as relações, as conexões entre as coisas.

tempo

27/08/2014

00:45 é genial a ideia do tempo enquanto objeto de estudo. Eu descobri na montanha mágica – sujeito deixa sua cidade natal para visitar o primo, este internado em sanatório de tísicos, e o lugar que a princípio lhe é estranho torna-se sua morada irrevogável. Absurdo de narrativa pela qual as coisas vão mudando e o ponto de vista vai se alterando de maneira real, visto que nos tornamos o próprio personagem, a quem a narrativa se impõe como se impõe o tempo.

afinal

27/08/2014

Sete de outubro, um cansaço mental e uma baita falta de vontade de trabalhar. À mesa de trabalho, da janela do meu quarto, no Alto da Lapa, São Paulo, temos essa noite uma vista surpreendentemente interiorana. Estamos num canto arborizado de uma cidade do interior de Minas Gerais, onde estamos, afinal.

boa

27/08/2014

01:36 a paixão é oclusão tremenda. E é boa […]

outro

27/08/2014

00:02 recentemente conversei com deusa de carne a respeito do tornar-se homem, que é coisa muito peremptória na vida de um. E sendo eu qualquer, eis que me coube, vai-me cabendo, a incumbência de encontrar um devir viril. Onde mulher e gay, homem. Bom ser homem. Já lá onde falo, tanta falta ser mulher. Porque há de ser bom ser homem onde serei outro.

segunda-feira

27/08/2014

Penso na morte quase todos os dias, com muito mais intensidade aos domingos, afinal o domingo é o dia do capeta. Nesse dia que são vinte e quatro horas de fim de festa não penso na morte em geral, metafísica, mas na minha morte, real, penso no meu fim, na experiência da derrocada final, e isso só não me paralisa por completo porque o tesão que eu sinto pelas pessoas me dá um ímpeto danado na segunda-feira.

olhar

27/08/2014

Hoje aprendi que a entropia é uma tendência a situações cada vez mais prováveis. Que a imagem é uma superfície significativa na qual as ideias se inter-relacionam magicamente. Que a magia é a existência no espaço-tempo do eterno retorno. Que a realidade é tudo contra o que esbarramos a caminho da morte, portanto, aquilo que nos interessa. Que o rito é o comportamento próprio da forma de existência mágica. Que o significado é a meta do signo. Que o signo é o fenômeno cuja meta é outro fenômeno. Hoje aprendi que a fotografia é sempre uma metade. Da outra metade se encarrega o olhar.

castorp

27/08/2014

Hoje, ao passo que beirava o surrealismo etnográfico, deparei-me com a análise química de um pesquisador sobre a composição de um corpo humano: ferro o bastante para fazer uma unha, açúcar o bastante para uma xícara de café, magnésio suficiente para tirar uma fotografia, e assim vai – valor de mercado: 25 francos. Deparei-me também com um verbete para o variável símbolo rouxinol, que começa assim, “exceto em casos especiais, isso não tem nada a ver com um pássaro”. Hoje inferi que para um cabaço de 28 anos eu já raciocinei demais. Ando propenso à prática. Não deixo de estudar contudo. Hoje, sonhei que Amanda e eu apresentávamos um seminário sobre um livro chamado A montanha mágica, durante o qual eu me transfigurava em Hans Castorp.

esquisito

27/08/2014

Quando eu cheguei lá ele já dizia e eu não sei a quanto tempo ele o fazia. Eram várias coisas sobre o escrever e a primeira que pude ouvir era sua ideia segundo a qual escrever tem a ver com aquilo que se sabe sem o ainda se saber. O autor descende do texto, pois este expressa o que aquele jamais diria não fosse escrevê-lo. Ele relatou o espanto que lhe causam suas próprias construções de palavras. A cada vez em que revisita um livro seu o escritor se depara com uma série de novas clarezas a respeito daquilo que o conecta àquela história, daquilo que a ambos é comum e que de algum modo compartilham. A cada vez uma nova diversidade. Depois ele nos disse da revelação súbita que lhe ocorreu de um personagem, ao qual, depois de dedicar-lhe um conto inteiro, digitado em três horas de puro arrebatamento, no saguão de um aeroporto, deu às costas por algumas semanas até que viesse a conhecê-lo melhor e descobrir que era preciso tramar com ele um romance. A história segue por alguns capítulos, sob a sua ausência, pois seria preciso que aquele personagem se constituísse ao autor por inteiro antes de voltar. Ele contou que acha incompreensíveis os romances em que os personagens, despormenorizados, parecem sempre querer as mesmas coisas em termos de suas fantasias, seus sonhos e desejos. Ele diz explorar cada personagem estudando-os espessamente, e esses personagens são sempre um espécime potencialmente outro do próprio escritor. Assim ele diz ter feito, por exemplo, os deleitosamente distintos Silvas, da máquina de fazer espanhóis. E a respeito de sua “fase das minúsculas”, como ele define o período em que enquadra seus quatro primeiros romances, nos quais ele utilizou apenas letras minúsculas e uma pontuação algo rudimentar, ele respondeu que se tratava até então de com isso chamar a atenção dos leitores para uma dimensão mais primeva da linguagem verbal, destituída de muitos acessórios de contenção eis que esta a princípio prescinde deles – a linguagem verbal é antes de tudo fluxo, um movimento corrente em cujo ritmo são especialistas notórios nossos ouvidos e nossos pulmões; é isso o que ele diz ter tentado imprimir ao andamento desses textos, desses livros. Com o passar do tempo o leitor se acostuma àquela ordem-desordem. Ele nos contou que nesse momento ele realiza um trabalho de campo na Islândia para a construção de seu próximo livro. A diferença, pelo exemplo do preconceito ou mesmo pelo exemplo da própria diferença entre os seus livros, é um item presente em seu trabalho. Como quisesse variar as formas, e visto que a dificuldade de fazê-lo aumenta a cada livro escrito, escolheu a Islândia como uma espécie de geratriz criativa, um lugar que de começo ele afirma ser cabalmente estapafúrdio aos seus olhos bem portugueses. Lá diz não ter sequer a necessidade de conversar com muita gente para compor as histórias e os personagens; as figuras humanas que se lhe ocorrem ao longo dos dias, distantes e silenciosas em suas diferentes velocidades e tempos, lhe bastam para dar cordas à imaginação. Há certas pessoas e gestos, mulheres e a beleza de seus modos irrepreensivelmente eficazes de amarrar o cabelo, que ele viu uma única vez na vida e delas jamais se esqueceu posto que se tornariam o retrato primeiro de algum personagem futuro. Assim que cheguei lá, em vista de um assunto anterior a mim, ele acabava de dizer, sem saber muito bem a razão, que hoje se sentia meio esquisito.